Imprescritibilidade do Direito Moral do Autor.

1 –Do caso específico

Fomos provocados a refletir sobre o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial nº 1862.910/RJ, que envolvia em concreto a propositura de uma ação de indenização por danos materiais e morais na qual quem reivindica, uma cantora, ajuizou em 2011 o pedido contra a gravadora por suposta modificação em obra fotográfica de sua autoria utilizada para ilustração da capa de um CD lançado em meados de 2004.

Em sede recursal de 1º grau de jurisdição, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro havia dado parcial provimento ao Recurso da autora para condenar a gravadora ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais por violação do direito moral do autor, direito esse considerado imprescritível por ser um direito de personalidade da Autora.

São características do direito moral do autor nos termos da Legislação brasileira a inalienabilidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade e a imprescritibilidade, características diferentes do chamado copyright, em que podem ser transferidos ou cedidos, tal qual ocorrido no conhecido caso “Bruna Surfistinha”, em que a autora Raquel Pacheco escreveu um livro chamado “O Doce Veneno do Escorpião”, que foi adaptado para uma obra audiovisual protagonizada por Deborah Secco. No referido caso, um autor que em tese teria sido contratado para escrever o livro como ghostwriter e que não possuía o ímpeto criativo da obra, teria apenas sido contratado pela editora para um aprimoramento do texto anteriormente redigido no blog da autora. Via de regra, os contratos de ghostwriter não possuem validade porque em sua origem o direito moral do autor não poderia ter sido transferido.

Aprofundando-se um pouco mais, podemos citar o caso da cantora Anitta, que transferiu o direito de coautoria da música “Girl From Rio”. A cantora, em suas negociações, conseguiu a autorização da Editora e dos herdeiros de Tom Jobim e Vinicius de Moraes para utilização da canção “Garota de Ipanema”. Ademais, um outro ponto importante à matéria debatida é o fato de a cantora também ter negociado com as compositoras Raye e Gale para que estas não aparecessem nos créditos da nova música. Tal façanha, que certamente custou uma grande fortuna, somente foi possível porque toda transação ocorreu fora do Brasil, mais precisamente nos Estados Unidos da América, onde a Lei permite a transmissibilidade do direito moral do autor.

Retomando o caso prático recentemente enfrentado pelo STJ, entendeu-se que o direito moral do autor, este imprescritível, existe para que os titulares das obras possam, a qualquer tempo, impor ou limitar por meio de ações de obrigação de fazer ou não fazer que terceiros não modifiquem sua obra, preservando-a em sua originalidade. Nestas ações, como é da própria característica, podem ser requeridos o arbitramento de multa diária para que se cumpra a decisão liminarmente concedida, cabendo quaisquer outras medidas coercitivas previstas na Legislação Processual Civil.

Ocorre que somente há imprescritibilidade na pretensão de assegurar tal direito e não propriamente a indenização moral eventualmente sofrida pela violação deste direito.

A Ementa do julgamento do referido Recurso Especial dispõe:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL. DIREITOS AUTORAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITOS MORAIS DO AUTOR. ALEGADA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE MODIFICAR A OBRA E DE ASSEGURAR A SUA INTEGRIDADE. MODIFICAÇÃO QUE TERIA OCORRIDO NA PASSAGEM NÃO AUTORIZADA PARA CD DOS RETRATOS DO MÚSICO NOCA DA PORTELA, QUE FIGURAVAM NA CAPA E NA CONTRACAPA DO LP “MÃOS

DADAS”. IMPRESCRITIBILIDADE DOS DIREITOS MORAIS EM SI. PRETENSÃO DE COMPENSAÇÃO DOS DANOS ORIUNDOS DE SUA INFRAÇÃO. REPARAÇÃO CIVIL. SUJEIÇÃO AO PRAZO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL. ART. 206, § 3º, V, DO CC.

  1. Controvérsia em torno da ocorrência de prescrição do direito de exigir a compensação pelos danos morais oriundos de infração de direito moral de autor, bem como acerca da necessidade de comprovação desses danos.
  2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem, no julgamento dos embargos de declaração, reafirma seu entendimento, afastando a existência de qualquer contradição.
  3. Os direitos morais do autor são, como todo direito de personalidade, imprescritíveis, e, portanto, não se extinguem pelo não uso e pelo decurso do tempo.
  4. O autor pode, a qualquer momento, pretender a execução específica das obrigações de fazer e não fazer oponíveis “erga omnes”, decorrentes dos direitos morais elencados no art. 24 da Lei n. 9.610/98.
  5. Todavia, a pretensão de compensação pelos danos morais, ainda que oriundos de infração de direito moral do autor, configura reparação civil e, como tal, está sujeita ao prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC.
  6. Caso concreto em que o autor pretende a reparação dos danos causados pela violação dos seus direitos morais de modificar e de assegurar a integridade de sua obra (art. 24, IV e V, da Lei n. 9.610/98).
  7. Retratos do músico Noca da Portela, originalmente feitos para ilustrar a capa e a contracapa do LP “Mãos Dadas”, que, quando da conversão não autorizada em CD, teriam sofrido modificações não pretendidas pelo autor.
  8. Tendo a modificação não autorizada ocorrido em 2004, encontra-se prescrita a pretensão de compensação dos danos morais por ter sido a demanda ajuizada apenas em 2011.
  9. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

 

O Superior Tribunal de Justiça aplicou o Código Civil por entender que a pretensão de reparação por danos morais, ainda que ligados diretamente à infração do direito moral de autor, está sujeita ao que estabelece o artigo 206 §3.º, V do Código Civil, afinal, é uma reparação civil. Entretanto é confirmada a imprescritibilidade do direito moral do autor previsto no artigo 24 da Lei 9.610/98, tendo constatado no caso em tela a prescrição pelo fato de a violação desse direito moral ter ocorrido em 2004 e a ação somente ter sido proposta em 2011.

 

bibliografia

http://mct.mus.br/splash-explica-por-que-girl-from-rio-nao-e-plagio-de-garota-de-ipanema/ 

Acesso em 20.06.2021.

https://www.migalhas.com.br/depeso/343373/prescritibilidade-da-acao-indenizatoria-por-violacao-a-direitos-morais

Acesso em 20.06.2021.

https://www.conjur.com.br/2021-fev-18/compensacao-alteracao-ilegal-foto-prescreve-anos

Acesso em 23.06.2021

https://www.conjur.com.br/dl/compensacao-alteracao-ilegal-foto.pdf

Acesso em 23.06.2021

Aula ministrada pelo professor Mário Pragmácio em 18.05.2021 gravada com link em https://ide-fgv-br.zoom.us/rec/play/0vVyxEyPU8apf1104fRWBk7Shy-fWtP7g9m8PBqKsoS3Bs2Ry7fPxF8XoJjrPMx2AO-2d0Lety1zsy8m.vDSHRyk3yQL1DeCo?continueMode=true&_x_zm_rtaid=atwwop_aSh-YENmuj5PPbg.1624485809752.4001f986d806e8fab8839d62f074d902&_x_zm_rhtaid=704